quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O maior espetáculo da terra

Depois de anos sem postar, eis que mais uma vez volto ao mundo blog. Espero que desta vez, eu consiga MESMO continuar postando com frequência. É muita coisa para dizer, para fazer, e pouco tempo para por em prática... Mas vamos lá! Quem sabe agora vai?

E não poderia voltar de outra forma que não fosse em grande estilo. Ou melhor, em um estilo simples e delicado porém grandioso em sua forma. Hoje, tive o prazer de assistir ao filme "O Palhaço". Como definir essa experiência? Ainda não sei: estou profundamente ofuscado pelo brilho desta pequena pérola nacional.

Deste ponto em diante preciso avisar que vão rolar spoillers (ou, no bom português, vou falar algumas coisas que podem estragar a surpresa de quem ainda não assistiu a esse filme). Portanto, se isso é algo que te incomoda, agradeço pela visita mas deixe para ler esse texto numa outra ocasião.

O filme de Selton Melo é, para mim, uma grata e bela surpresa que veio somar a um excelente ano para o cinema nacional. Era uma história que poderia se desenrolar em dramas densos, denúncias políticas, tratado sobre condições de vida nas regiões menos desenvolvidas do país ou em diálogos intermináveis extraídos de livros de auto-ajuda. Mas o competente diretor foge desses clichês e nos entrega uma história simples, sensível e muito cativante. Impossível não simpatizar com os integrantes dessa trupe que viaja pelo interior brasileiro levando a magia do circo a cidades distantes.


Gato toma leite...

Sabemos que nem tudo é diversão para quem faz os outros se divertirem. Uma gama de detalhes e responsabilidade se faz necessária para que um espetáculo aconteça. Seja um circo mambembe seja para o Circo de Soleil. Cada um tem seu papel, suas obrigações, sua quota de trabalho nos bastidores. Cada um tem que estar ciente de sua importância para que o show não pare. Na pequena trupe do Circo Esperança, todos fazem todo o trabalho, desde a armação da estrutura, até a atuação no picadeiro, arrumação e - por que não? - cuidam uns dos outros. Como uma família. Como deve ser uma família. Neste caso, uma família formada por núcleos familiares diferentes. Atrelado a esse sentimento de união existe uma sensação de individualidade onde cada um se reconhece e sabe seu papel. E nesse sentido somos apresentados a Benjamim (Selton Melo) que é palhaço, filho do dono do circo e que ainda arca com as responsabilidades burocráticas do trabalho.

Em meio aos pequenos problemas que necessitam de uma solução, vemos que Benjamim encontra-se perdido em si mesmo. Sem saber quem é ou o que é de fato. Vê-se que a relação entre ele e o pai (magnificamente interpretado por Paulo José) é uma relação de afeto mas de pouca conversa. Há uma cumplicidade visível nos pequenos atos. Porém essa relação é perturbada em vários momentos pela namorada do pai, Lola, a grande beldade do espetáculo.

Para ilustrar bem esse mal estar de Benjamim, a história se foca em duas metáforas interessantíssimas: a da falta do documento de identidade e a vontade de ter um ventilador. Duas situações que, para Benjamim, são limítrofes em sua vida. E que, de certa forma, acabam impedindo ele de seguir adiante na solução de outros problemas. Não que ele não busque a solução, muito pelo contrário, ele busca mas não há um empenho. Ele se mostra desgastado e sem energia para resolver tudo que lhe é pedido e, principalmente, para buscar quem é o homem por trás do palhaço. Num dos diálogos mais sensíveis do filme ele pergunta "Eu faço os outros rirem, mas quem vai me fazer rir?"


... rato come queijo...

A história dessa busca por si próprio é muito bem apoiada no roteiro enxuto e conta ainda com atuações bem marcadas e diálogos precisos. Não há uma história intrincada ou uma trama cheia de reviravoltas e revelações bombásticas (ok! há uma grande revelação sim, para Benjamim, que o ajuda a coordenar o próprio rumo numa participação curta e divertida de Danton Melo, atuando com o irmão Selton). A simplicidade da história nos dá margem para entender emoções e sentimentos profundos e complexos sem precisar cair na obviedade ou sem tornar o filme arrastado. Os diálogos são precisos e fundamentais. Não sobram e dão o tom de comédia que deixa a história ainda mais leve e fácil de ser entendida. E o elenco se esforça para não carregar no tom.

As atuações são outro ponto alto. Cada personagem de apoio, seja da trupe, seja do público que os rodeia, tem o seu momento de brilho e uns não ofuscam os outros, já que o roteiro dá espaço para todos brilharem por igual. E são atuações inspiradas que não caem no exagero. Calculadas para funcionar em conjunto e nunca se sobrepondo. Num trabalho feito em equipe como deve ser o trabalho dos artistas circenses. O elenco ajuda para que, de uma forma ou de outra, ocorra uma identificação entre o público do cinema e os personagens do filme. Todos, de alguma forma, se veem na tela. Além do elenco principal, uma série de participações especiais dá ao filme um tom de diversão pura e descompromissada. Destaco aqui a participação de Moacir Franco como um delegado bem brasileiro...

A fotografia do filme é muito inspirada. Por mais que vejamos a pobreza e simplicidade das construções nas pequenas cidades não temos a sensação de desconforto ante essa situação. Vemos no filme, estradas longas e desertas em meio a plantações intermináveis, cidades com pouca infra-estrutura, longe dos grandes progressos da civilização, mas ainda assim são todas simpáticas, quase convidativas a uma cordial visita. Sabemos que há a pobreza, sabemos que há a diferença de classes. Mas discutir isso não é o objetivo do filme. Não estamos tratando de cinema-denúncia.


... E você, o que é?

Por fim a resposta para a grande busca de Benjamim é "Você é o que você sabe fazer". Uma organização de ideias mais algumas descobertas e vemos que, aos poucos, Benjamim se vê obrigado a sair da inércia e a tomar atitudes em sua vida. Não sem algum impacto imediato ou sem alguns tropeços. O crescimento em rumo a essa mudança precisa passar por algumas etapas e a história nos conduz por elas de forma singela. A mudança, no fundo, acaba envolvendo outros membros da trupe que, de uma forma ou de outra, começam a se reavaliar. Nesse momento, o trabalho em equipe se torna mais firme e os laços familiares que unem a trupe se mostram mais laços de segurança do que de aprisionamento. A vida vai seguir seu rumo e eles se vêem prontos para novas descobertas, novos desafios.

Concluindo, há tempos não via no cinema nacional uma história tão simples e cativante por essa simplicidade como vi em "O Palhaço". O filme é reflexivo, belo e divertido. Mesmo sendo pequeno e singelo, ele se torna grande diante dos nossos olhos. Como o espetáculo do Circo Esperança é para seu público. Como é qualquer "maior espetáculo da Terra" aos olhos de quem o vê com olhos de paixão. Respeitável público, palmas a essa trupe!